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The Thelemite and the Drunk Girl

Irmã Georgia


Um experimento mental para uma triste manhã de junho:

Parte 1

Você é um thelemita engajado, que não reconhece nenhuma restrição, seja moral, social ou legal, sobre sua Vontade. Você também não transa há 7 anos.

A mulher de seus sonhos te convida para jantar, sem motivo específico. No correr da noite ela ingere uma grande quantidade de álcool. Ela se convida para seu flat e você abre outra garrafa. Ela flerta com você; beija você; começa a tirar algumas roupas.

Você corre para o banheiro para as abluções pré-coitais e, no seu retorno, você a encontra nua, coberta de forma sedutora no sofá… e caída no sono. Você tenta acordá-la, mas ela está morta para o mundo: completamente bêbada e completamente desmaiada.

Você é um thelemita engajado, que não reconhece nenhuma restrição, seja moral, social ou legal, sobre sua Vontade.

A única Lei que você reconhece é a Lei de Thelema: Faze o que tu queres será o todo da Lei.

O que você faz?

Parte 2

Mais um experimento mental.

Você é um thelemita engajado, que não reconhece nenhuma restrição, seja moral, social ou legal, sobre sua Vontade. Você transa com alguma regularidade, embora não tanto como você gostaria.

Você começou a sair com uma mulher e dormiu com ela uma vez ou duas. Você combina de encontrá-la numa festa, e faz planos antecipados de irem juntos para casa depois. Você flerta ao longo da noite.

À medida que a festa vai terminando e todo mundo foi embora exceto vocês dois, você se dá conta de que a pessoa está muito bêbada: tão bêbada, na verdade, que ela cai e não consegue se levantar. Ela não está inconsciente, mas não parece ter nenhuma pista do que está acontecendo.

Você é um thelemita engajado, que não reconhece nenhuma restrição, seja moral, social ou legal, sobre sua Vontade.

O que você faz?

Parte 3

Então, o que acontece que, quando a coisa está formulada dessa forma, a maioria das pessoas para quem eu pergunto concordam inquestionavelmente com o curso Intencional de ação? Numa proporção que mesmo colocar a questão começa a parecer absurdo. Mas quando eu digo “Eu fui estuprada” e descrevo a contraparte dessas situações a partir da perspectiva de uma vítima, uma quantidade significante de respostas foi que eu não deveria estar tão bêbada; que eu deveria ter agido com mais responsabilidade comigo mesma.

Eu aceito o enviesamento de apresentar a situação na forma de um experimento mental, mas esse é o ponto. Os homens parecem achar mais fácil empatizar com o perpetrador nessa situação, mas muito difícil empatizar com a vítima.

Quando é um experimento mental quase todo mundo concorda. Mas quando nós realmente falamos da pessoa que não age como o concordado, o ímpeto subitamente vai para a mulher — “por que voce ficou tão bêbada?” E isso é envergonhar a vítima pura e simplesmente. Porque é mais fácil falar sobre como as mulheres deveriam proteger a si mesmas em vez de como os homens deveriam mudar seu comportamento.

Esse artigo afirma isso perfeitamente:

“Quando dizemos a uma mulher para não vestir saias curtas, nós também estamos fundamentalmente confundido os motivos e causas da violência sexual (é sobre poder e controle, não luxúria). Mas nós também não estamos realmente tentando prevenir estupro, em vez disso estamos simplesmente tentando reordenar quem é estuprada, encaminhando o problema para a próxima mulher na fila.

Nós estamos dizendo, “Não me estupre! Estupre aquela garota mais bêbada, a garota com uma saia ainda mais curta’.

Nós também estamos dizendo que achamos que a violência masculina não é uma escolha sobre a qual os homens tenham qualquer controle.

E aqui está o atrito. Não apenas esse mecanismo não está deixando as mulheres mais seguras, mas está habilitando infratores e colocando mulheres num risco ainda maior.

Como?

Bem,quando a polícia diz para as mulheres não andarem sozinhas à noite, isso não impede que as mulheres andem sozinhas (e na realidade, as mulheres são muito mais propensas a serem atacadas em suas próprias casas que nas ruas).

O que esse conselho faz é dissuadir significantemente as mulheres que foram atacadas de reportar para a polícia, por medo de que serão culpadas ou julgadas.

E isso significa que os infratores podem continuar infringindo com impunidade […]

No momento que eu me reportei para a polícia, machucada e com dor, um oficial disse para mim: “o problema é que as mulheres apenas não entendem as situações arriscadas em que elas se colocam”.

Que isso fique bem claro.

Uma mulher de 23 anos que foi embebedada, enforcada, ameaçada com um cortador de caixa e indecentemente atacada sexualmente vai para a polícia e lhe é dito que “o problema são as mulheres”.

Mas há um outro aspecto, não tão frequentemente mencionado porque é bastante complexo e envolve muita empatia. E nós estamos todos à procura de uma chance para berrar SE ENVERGONHE e a chance para gritar CULPA, que não estamos conseguindo ver a complexidade e a inevitabilidade sombria dos padrões nos quais estamos enredados. Quando as pessoas dizem que “bem, você tem um problema com álcool e é uma vagabunda”. E eu cerro meus olhos e penso, sério? Você realmente não entende?

Muitas pessoas que chegam à magia tiveram um passado difícil. Para mulheres em nossa cultura atual, isso frequentemente significa um difícil passado sexual (lembre-se que uma em três mulheres foram sexualmente agredidas). Independente das razões — e eu acredito que as deturpações de Babalon, a reputação de Crowley e a natureza secular do feminismo Britânico têm um papel a desempenhar — existe uma tendência inegável.

Eu luto com o álcool. Muitas pessoas que tiveram um passado difícil o fazem. É algo em que eu trabalhei e continuo trabalhando. Minha relação com o álcool não é independente dessa tendência, dessa fórmula — eu bebo para esquecer coisas que homens me fizeram. Envergonhar alguém por beber não é a mesma coisa que envergonhar alguém por ter sido estuprada, e eu entendo que isso frequentemente vem de um lugar bem intencionado. Mas também é ignorante e injusto. Mostra uma clara falta de empatia e compreensão; consagra o estupro como uma ocorrência que é incomum e discreta — ou seja, implicitamente e inconscientemente nega o impacto que a agressão sexual tem nas mulheres e o modo que uma agressão sexual frequentemente torna uma mulher mais vulnerável a outras. Porque você pensa — bem, você não vai se proteger melhor agora? Garantir que isso não aconteça de novo? Mas quando alguém que você ama te estupra ou te bate, ou te degrada dia após dia, você começa a acreditar que é assim que você merece ser tratada, que é assim que o amor se parece.

Me pedem que eu empatize com meu abusador, que eu entenda o que o fez agir dessa forma.

E me é dito que eu bebo demais. Mas ninguém me perguntou por que eu ajo dessa forma. Porque se o fizessem, eu teria dito: “Eu fui pressionada a fazer sexo desde que eu tenho 15 anos. Eu bebi para me anestesiar, quando fiz sexo que não queria. Demorei muito tempo para reconhecer esse padrão, e eu raramente bebo agora – porque eu sei, estou menos apta a me defender – porque eu sei, no passado, em situações perigosas, meu eu bêbada sempre escolheu o caminho menos propenso para acabar morta. E às vezes isso significa sexo quando não se quer. Mas é melhor que apanhar, né?” (Qualquer um que pense que eu estou exagerando provavelmente não deveria se mudar para o Nordeste da Inglaterra). Nunca se esqueça daquele bom velho adágio: “Os homens têm medo que as mulheres riam deles; as mulheres têm medo que os homens as matem”.

E eu entendo quando ouço as pessoas dizerem, “o que isso tem a ver com qualquer coisa?” Mas eu também sei que eu não sou a única que se sente assim. Não sou a única que se acostumou com abuso ser normal e também normalizou isso. “O que isso tem a ver com qualquer coisa?” você grita. Porque liberdade não significa a mesma coisa para os homens que significa para as mulheres.

A ordem deveria ser diferente. Era um espaço onde era suposto que eu fosse capaz de me orgulhar de mim mesma – de finalmente ser livre para agir como eu desejasse, e não pisar na ponta dos dedos por perto dos homens, me certificando que minha blusa não fosse tão decotada, ou minha fala muito provocativa e meus olhos sedutores pra caralho. Era suposto de ser um lugar onde eu poderia falar de sexo sem ficar envergonhada de mim mesmo, e sem com isso chamar atenção. Era suposto de ser um lugar onde eu pudesse ser honesta sobre minhas vulnerabilidades, e meus problemas e receber apoio para trabalhar neles — não onde eles fossem anotados na porra de uma prancheta e sistematicamente usados contra mim. Porque nós amamos julgar as mulheres, não é? Até outras mulheres amam isso — uma chance de devolver parte do despeito a que foram sujeitadas.

Eu digo, “alguém me prejudicou”. Você diz “bem, você não devia ter ficado vulnerável ao dano”. Mas tudo isso é uma forma muito conveniente fazer gaslighting com a existência das estruturas da vulnerabilidade — de negar a vulnerabilidade das pessoas. Não é como se não devesse haver compaixão e tentativa de ajudar pessoas desmaiadas, ou mesmo algum nível de julgamento, particularmente se isso ajudar em descobrir como a situação poderia ter sido evitada… exceto que isso já existe. Porque o foco da conversa é ainda o comportamento da vítima, em vez de ser no do perpetrador, e assim nós não podemos ajudar, mas ignoramos o problema subjacente.

Nós não falamos sobre eles como se tivessem traído a própria essência de nossa única Lei — que é precisamente o que eles fizeram. E parece que eu sou a única sentada aqui entendendo que a Lei de Thelema é um imperativo categórico. Não há ses ou mas ou quandos, apenas Vontade.

Meu ponto é que não devíamos estar discutindo sobre o que a mulher estava fazendo, absolutamente. Conversas em torno desses tópicos sempre parecem girar em torno do que a mulher estava fazendo/vestindo/dizendo, onde ela estava, o que ela bebeu, que companhias ela manteve. Mas isso perde completamente o ponto que ela não fez nada de errado.

Se todos concordamos que estupro é errado, por que ele ainda acontece constantemente? Porque as mudanças culturais estão sendo pedidas apenas das mulheres, sendo feitas pelas mulheres. Eu tenho tantos amigos que disseram para mim: “bem, se você não quer entrar em situações como essa, então não beba tanto”. E assim uma restrição é colocada em minha liberdade: Eu preciso vigiar minhas ações aqui, não beber tanto, agir provocativamente, atrair qualquer atenção masculina. Porque aqui, também, eu sou uma vítima-em-espera, e se eu não agir conforme isso, então eu devo culpar apenas a mim mesma.

Mas para mim o ponto de uma fraternidade, quando eu encarei uma vida inteira de homens tentando entrar nas minhas calças, é ter um espaço seguro disso: numa sociedade que mal reconhece agressão sexual como um ato criminoso (na realidade, não idealisticamente), uma fraternidade deveria ser um lugar onde alguém poderia desmaiar bêbada e acordar totalmente vestida na cama. Para mim, esse é completamente o ponto. Porque se você quer que mulheres façam magia com um grupo de pessoas — magia que as faz etericamente e emocionalmente vulneráveis, assim como fisicamente — elas precisam saber que estão a salvo. Esse é o ponto de uma fraternidade mágica.

Beba vinhos doces e vinhos que espumam: Nós iremos te guardar em seus caminhos.

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